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Críticas

admin-balde 28/10/2024

‘Ainda Estou Aqui’ demonstra a potência culminante do cinema brasileiro para o mundo

Por Lais Barison

 

Aclamado pela crítica internacional e já premiado antes mesmo de sua estreia, o longa venceu o prêmio de Melhor Roteiro no Festival de Veneza 2024 e o Audience Award no Vancouver International Film Festival. A produção também é a escolha brasileira para o Oscar 2025, e, em janeiro, será exibida em Nova York e Los Angeles por uma semana – condição para sua qualificação ao prêmio – antes de estrear em cinemas de todo o país em 14 de fevereiro. Comprovando como ‘Ainda Estou Aqui’ é um presente aos espectadores, “com memórias do passado para iluminar o presente” reforça Selton Mello durante sua primeira coletiva no Brasil. 

Eu estava animada para assistir, mas confesso que não esperava o impacto que o filme traria. As várias camadas e a construção da trama, sensível e delicada, ao mesmo tempo densa e sufocante, me tocaram profundamente. A realidade que Marcelo Rubens Paiva relata no livro, sobre o desaparecimento do pai e a força da mãe, é extremamente íntima, e a forma como a narrativa foi adaptada para o cinema sem perder essa pessoalidade se deve ao olhar excepcional do diretor Walter Salles.

Entre os muitos acertos do filme, o elenco se destaca em uma performance quase coreografada. Fernanda Torres está impecável, entregando uma atuação digna de Oscar, enquanto Selton Mello traz delicadeza ao seu personagem, capturando a essência de Rubens Paiva. A química entre os dois faz quase palpável a presença de Eunice e Rubens, trazendo-os à vida com força e sensibilidade.

São inúmeros os detalhes que me tocaram, mas o mais impressionante é como Salles conseguiu, logo no primeiro ato, fazer com que o público se sentisse parte da trama, sem perder o peso da bagagem pessoal dos Facciola-Paiva. O arco de Eunice é particularmente comovente: uma mulher de família dos anos 50 que se reinventou e não deixou de sorrir, evidenciando uma faceta oculta do período de repressão política com uma mulher que não deixou de lutar pelos seus.

 

Do sonho à ruína 

 

A história começa em 1970, no Rio de Janeiro sob a ditadura militar, onde uma família feliz e unida vive apesar da forte repressão. As primeiras cenas acontecem na praia do Leblon e na casa da família, que sempre está aberta, iluminada e cheia de gente, retratando a parcela de liberdade que conseguiam viver na época. A produção faz questão de mostrar o cuidado da mãe e o amor do pai, ambos fazendo de tudo para manter o bem-estar de seus filhos. 

Essa atmosfera se transforma abruptamente com a invasão policial e o súbito fechamento da casa, simbolizando a perda. A brutalidade com que Rubens (Selton Mello) é retirado de cena é um lembrete cru da ferocidade daquele período, deixando o espectador tão incerto quanto os próprios familiares.

 

Eunice, a fortaleza

 

O segundo ato destaca o protagonismo de Eunice, que vê sua antiga vida ser arrancada. Ela precisa lidar com a dor da perda e a ausência do pai para os filhos. A narrativa revela o luto controverso e a escolha de Eunice em preservar os filhos do ocorrido, evidenciada pela pergunta da filha mais nova a Marcelo no fim do filme: “quando você enterrou ele?” Após 25 anos, finalmente obtiveram a certidão de óbito.

A escolha de mostrar Eunice enfrentando a repressão com um “sorriso irremovível, não se movendo da sua convicção” — como Fernanda Torres mencionou durante a coletiva — causa um nó na garganta do espectador. Estudar Direito aos 48 anos foi a forma que ela encontrou para lidar com o sistema e manter a família.

OPINIÃO — Como estudante de jornalismo em 2018, num período de ameaças à democracia, eu ouvi muitos relatos de professores sobre suas experiências em períodos de repressão e luta por liberdade. Ver um filme com a magnitude que ‘Ainda Estou Aqui’ trouxe, abordando um passado devastador e exaltando a busca de Eunice por justiça, me tocou como comunicadora, me lembrando da importância de preservar a memória e defender o livre-arbítrio.

“Um filme sobre uma família feito por uma família de cinema”, complementa Salles. 

Para arrematar e colocar uma cereja nesse bolo, a participação especial de Fernanda Montenegro como Eunice já idosa é um acalento, um abraço que o público precisava ao final do longa. 

De fato, Marcelo está certo quando diz que “esse filme é aquele que a gente estava com saudade de ver”. Sem dúvidas, dou 5/5 a essa obra cinematográfica, que considero uma das melhores que vi em 2024 e talvez da vida. 

A fotografia impecável eleva o nível da narrativa, com o toque da Super 8 gravando momentos nostálgicos que dão um gosto agridoce, assim como a trilha sonora bem escolhida, que alterna entre sons de helicópteros, polícia e música brasileira, confirmando que é um filme sem defeitos.

Finalizo minha impressão de ‘Ainda Estou Aqui’ como um encontro com a imensidão assim como as cenas que aparecem o mar, reconectando cada membro da família Facciola-Paiva com esse respiro e as memórias que não voltam mais. 

A estreia oficial acontece dia 7 de novembro em todos os cinemas nacionais.

Nota:

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